Da Infância Ao Vazio

agosto 13, 2021

 Fotógrafo há mais de vinte e cinco anos, após ter ganho inúmeras indicações

e prêmios, moro sozinho em um apartamento, onde me sujeito apenas a alguns

trabalhos para poucas revista e jornais, relatando as grandes odisseias que vivi

durante todos estes anos por trás das lentes de uma câmera fotográfica.

Já na casa dos quarenta, depois de ter visto tudo que pode acontecer de

baixo do sol, e mais um pouco, me resguardo a trazer de volta à lembrança, apenas,

as travessuras de criança no interior do Rio Grande do Norte, junto de meus primos

à beira do manguezal. Éramos miúdos demais, e o universo era nossa até onde a

visão podia alcançar, as coisas tinham cheiro de inocência e na mente não havia

malícia, apenas sonhos e histórias de terror para contar quando a única luz que

pudéssemos vêr fosse o brilho do candieiro que a mãe acendia “mode o bicho-

papão”, dizia ela. Stuart Hall, falava: “A identidade preenche o interior e o exterior”, e

era naquela inocente identidade que o meu olhar de menino enxergava o mundo.

Em uma de minhas viagens a trabalho, eu estava no Mato Grosso, quando

me deparo com a obra que me trouxe a memória, mais uma vez, os meus anos de

ouro. Tratava-se do livro do escritor Manuel de Barros, que tem por título “Menino do

Mato”, apenas o nome já punha em mim a sensação nostálgica da infância.

Folheei as páginas, li e reli alguns versos que me chamaram atenção, como:

“A gente não gostava de explicar as imagens, porque explicar afastava as falas da

imaginação.”, assim, vinha a tona no meu peito um duelo entre o menino que fui e o

homem que me tornei. Perguntei-me onde estava o menino que deixei à beira do

manguezal quando saí pra conhecer o mundo, “Onde a gente morava, quase só

tinha bicho, solidão e árvore”, senti saudade.

Aquilo tudo me lembrou Edgar Morin, “Não somos um espelho do universo,

mas, todo o universo encontra-se contido em nós”, nestas palavras encontrei

consolo para minha alma. Percebi, que o menino que eu fui, não me esperava na

beira do mangue, pelo contrário, me acompanhou em todas as minhas aventuras,

lembrando-me sempre de dar brechas para a imaginação, e registrar na fotografia a

beleza da vida. Recordei-me de Stuart Hall, “Dentro de nós há identidade

contraditórias, empurrando em diferentes direções”, meus diversos ‘eu’ existiam

dentro de mim, cada qual em seu lugar e momento certo, restava-me apenas,

aceitar que nunca estamos sozinhos, seja em um apartamento vazio ou em uma

grande metrópole.

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